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3 de julho de 2025

Santa Dica de Lagolândia: fé, poder e resistência

No coração do cerrado goiano, entre as serras que tocam o céu e o chão que guarda histórias, emergiu uma mulher que desafiou os limites da fé, da política e do imaginário popular. Benedita Cipriano Gomes, batizada de Santa Dica, se tornou símbolo de resistência, comunidade e milagres em Lagolândia, distrito de Pirenópolis.
Diego Leonel
Diego Leonel

17 de junho de 2025 às 00:01

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Nascimento de um mito: entre morte e renascimento

Nascida em 17 de janeiro de 1903 (ou 1905, segundo algumas fontes) na Fazenda Mozondó, Benedita chegou a ser dada como morta em três ocasiões na infância — um fenômeno atribuído a supuestos dons mediúnicos. Uma dessas “ressurreições”, após três dias em estado sem vida, foi interpretada como prodígio: ela teria sobrado dos mortos para cumprir uma missão divina. A partir daí, começou a atrair devotos — roceiros e romeiros — em busca de curas e bênçãos milagrosas.

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A República dos Anjos: fé, igualdade e terra compartilhada

Nos primeiros anos da década de 1920, a comunidade de Dica se organizou à margem da ordem estabelecida. Foi ali que nasceu o ideário da chamada “República dos Anjos”: terras comuns, economia sem dinheiro e missas com rituais híbridos, unindo catolicismo popular e espiritismo. Em pouco tempo, cerca de 15 000 pessoas se uniram ao movimento — incluindo 1 500 homens armados — e Dica proclamava: “a terra pertence ao Criador e é de todos”Santa Dica de Lagolândia: fé, poder e resistência - IMG 5437 1  

A “Guerra do Fogo” e o milagre das balas

O poder crescente da “Santa” soou forte — e ameaçador — aos coronéis locais e à Igreja. Em março de 1925, o governo enviou tropas para sitiar Lagolândia. O episódio ficou conhecido como “Dia do Fogo”: segundo relatos, dezenas de metralhadoras dispararam contra as palhoças, mas apenas três mortes ocorreram. A lenda diz que as balas invariavelmente se enroscavam nos cabelos de Dica ou se transformavam em grãos de milho ao tocarem o chão. Enquanto isso, ela protegia seus seguidores ordenando a travessia do rio Jordão — o que obstruiu a passagem dos soldados, segundo a crença local.

De líder religiosa a figura política

Após prisão breve e libertação graças à pressão pública, Dica não se calou. Organizou um exército de cerca de 400 homens, apelidado de “pés com palha e pés sem palha”, e até participou da Revolução Constitucionalista de 1932 com 150 combatentes. Em 1928 casou-se com o jornalista Mário Mendes, que futuramente foi eleito prefeito de Pirenópolis em 1934, com apoio direto da líder.
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O legado e a devoção popular

Santa Dica faleceu em 9 de novembro de 1970 em Goiânia, vítima de complicações de Chagas. Seu pedido de ser sepultada sob uma gameleira em frente à antiga casa em Lagolândia foi cumprido — e seu túmulo permanece local de romarias. Atualmente, o povoado abriga um busto em sua homenagem, e sua antiga residência abriga um altar sempre aceso, símbolo de uma devoção que atravessa gerações.

Movimentos acadêmicos estudam Santa Dica como um marco dos movimentos messiânicos rurais no Brasil — comparável a Canudos e Contestado — revelando conflitos de poder, gênero e espiritualidade no início da República.

  1. Resistência social: pregou a economia solidária, sem impostos e com distribuição de terra.
  2. Feminilidade poderosa: mulher à frente de um movimento armado e religioso em cenário patriarcal.
  3. Riqueza simbólica: sincretismo, misticismo e política se misturam de forma única.
  4. Patrimônio vivo: Lagolândia mantém viva sua memória por romarias e narrativas populares.

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